Os membros do comité reconheceram a líder da oposição venezuelana pelo seu “trabalho incansável para promover os direitos democráticos do povo da Venezuela e pela sua luta para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”.
O reconhecimento – inesperado, como já é tradição – chegou três dias depois do aniversário: Maria Corina Machadovencedora do Prémio Nobel da Paz em 2025, nasceu em Caracas a 7 de outubro de 1967. Os membros da comissão reconheceram a líder da oposição venezuelana pelo seu “trabalho incansável para promover os direitos democráticos do povo da Venezuela e pela sua batalha para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”. Machado foi de facto o grande protagonista do desafio lançado em Julho de 2024 ao governo de Nicolás Maduro: obter a liderança do país através de eleições, apesar dos inúmeros obstáculos colocados pelo regime. Um esforço frustrado pela decisão das autoridades eleitorais, que atribuíram a vitória a Maduro sem contudo nunca produzir dados de votação desagregados e verificáveis, mas recompensado pelo grande apoio popular, como demonstram as manifestações de rua e – sobretudo – pelas elevadíssimas percentagens de votos recolhidos, segundo as votações realizadas através dos representantes de lista distribuídos por quase todo o território nacional. Para a oposição, feroz opositora do governo desde a época do ex-presidente Hugo Chávez, esta é uma mudança de estratégia em relação ao passado.
Machado tinha de facto sempre denunciado a impossibilidade de seguir o caminho democrático do voto, acusando o “Chavismo” de falta de transparência nos processos eleitorais, desde a apresentação de candidaturas à perseguição e incapacitação de opositores, desde alegadas fraudes nas urnas à falta de observadores internacionais. Para o vencedor do Prémio Nobel, cuja candidatura à presidência foi prontamente negada por decisões controversas da justiça criminal e eleitoral, ir votar significou durante muito tempo legitimar um sistema fraudulento. Emblemático neste sentido é o forte apoio ao boicote às eleições presidenciais vencidas por Maduro em 2018 ou às legislativas vencidas pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) em 2020. Além disso, ao longo do tempo, Machado tinha indicado que a única forma concreta de mudança de regime era intensificar a pressão internacional, apostando sobretudo no possível apoio dos Estados Unidos. Um caminho que a teria levado em 2019 a apoiar a tentativa do ex-presidente do Parlamento, Juan Guaidò, de se colocar à frente de um governo “provisório” do país.
O fracasso do governo Guaidò, rapidamente reconhecido por dezenas de países, mas de facto incapaz de contrariar o poder de Maduro a nível interno, e que “cedeu” – com a abstenção nas urnas – a presidência e o parlamento às forças “chavistas” acabou por fazer cair os índices de Machado na frente antigovernamental, em vantagem de outros adversários – no país e no parlamento – considerados menos radicais. É o caso, sobretudo, de Henrique Capriles Radonski, duas vezes candidato à presidência, que sempre reivindicou a necessidade “pragmática” de chegar ao poder enquanto ainda negociava com o governo em exercício. As últimas eleições representaram, portanto, mais uma mudança de estratégia para Machado. Preocupada em recuperar a unidade, numa altura em que o lado considerado “intervencionista” de Trump já não estava na Casa Branca, a frente antigovernamental decidiu preparar-se para a votação com novas regras. As primárias são celebradas, amplamente concorridas e vencidas com distanciamento por Machado. Tendo constatado – mas nunca aceitado – o veto colocado pela justiça à sua candidatura, Machado deu um passo atrás ao inscrever em seu lugar a professora Corina Yoris, de 80 anos. As portas também foram fechadas para Yoris, sem explicação formal, a oposição conseguiu inscrever no último minuto o diplomata Edmundo Gonzalez Urrutia.
Filha mais velha de quatro irmãs, Maria Corina faz parte de uma família de empreendedores. Após experiências no mundo empresarial, ingressou na política em 2002, estando entre os signatários do chamado “decreto Carmona”, ato aprovado na sequência do golpe de Estado desferido para derrubar o governo de Hugo Chávez. Em 2010 concorreu ao parlamento, obtendo – com apoio recorde – uma cadeira pelo círculo eleitoral de Miranda. De 2011 a 2014 travou diversas batalhas parlamentares, especialmente contra os programas de expropriações pretendidos pelo governo “neo-socialista”, e foi protagonista de algumas disputas com Chávez, cujos vídeos são frequentemente filmados pela mídia local. Em 2012 fundou o partido Vente Venezuela, uma força liberal que ao longo do tempo se tornou uma das mais importantes da coligação antigovernamental composta.
A democracia, lemos na declaração do Prémio, “é uma pré-condição para uma paz duradoura. No entanto, vivemos num mundo onde a democracia está em declínio, onde cada vez mais regimes autoritários desafiam as normas e recorrem à violência” e Maria Corina Machado “dedicou anos à luta pela liberdade do povo venezuelano” combatendo “a rígida tomada do poder pelo regime venezuelano e a sua repressão da população”, que “não sou uma caso isolado no mundo”. Em 2024, observa o comité do prémio, “foram realizadas mais eleições do que nunca, mas cada vez menos são livres e justas”. Machado apresentou-se como principal desafiante de Nicolás Maduro nas eleições presidenciais de julho de 2024, mas foi excluída da competição, liderando a campanha do candidato Edmundo Gonzalez Urrutia. Desde que as principais autoridades venezuelanas anunciaram a vitória de Maduro, sem apresentar provas, Machado tem-se empenhado numa campanha para “trazer de volta a democracia” e numa luta pela defesa da democracia e dos direitos humanos, denunciando os abusos cometidos pelo governo de Maduro e as inúmeras prisões arbitrárias de opositores políticos. Em 2024 ganhou o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento.
Como líder do movimento democrático na Venezuela, afirma a citação do prêmio, Machado é um dos “exemplos mais extraordinários de coragem civil na América Latina nos últimos tempos” e um “corajoso campeão da paz”. A líder da oposição é definida como “uma mulher que mantém viva a chama da democracia no meio da escuridão crescente” e demonstrou “que as ferramentas da democracia são também as ferramentas da paz”. Para os membros da comissão que atribuiu o prémio, Machado “encarna a esperança de um futuro diferente, em que os direitos fundamentais dos cidadãos sejam protegidos e as suas vozes sejam ouvidas”. Machado, lemos noutro local, “foi uma figura chave na oposição política, outrora profundamente dividida, que encontrou um terreno comum na exigência de eleições livres e de um governo representativo”, com um “regime venezuelano” que tornou “o trabalho político extremamente difícil”. Como fundador da organização “Sumate”, Machado, continua a declaração do comité do Nobel, “está empenhado em eleições livres há mais de 20 anos”, sempre defendendo a “independência judicial, os direitos humanos e a representação popular”. Nos últimos anos Machado “foi obrigado a viver na clandestinidade”, recorda o comité do Nobel. Apesar das “graves ameaças à sua vida”, ela permaneceu no país, fazendo “uma escolha que inspirou milhões de pessoas”.