A reunião, presidida pela Rússia, realiza-se uma semana antes do quinquagésimo aniversário da “Marcha Verde”
O Sahara Ocidental, um vasto território desértico rico em fosfatos e recursos energéticos, foi uma colónia espanhola até 1975. Após a retirada de Madrid, Marrocos reivindicou a soberania e ocupou a maior parte do território, enquanto a Frente Polisário, apoiada pela Argélia, proclamou a República Árabe Saharaui Democrática (RASD) e iniciou um conflito armado. Um cessar-fogo entrou em vigor em 1991, sob a supervisão das Nações Unidas, que criou a Minurso, encarregada de monitorizar a trégua e de organizar um referendo de autodeterminação que nunca ocorreu. A missão, com sede em Laayoune e um gabinete de ligação em Tindouf, conta actualmente com 245 observadores militares desarmados de diferentes nacionalidades, apoiados por pessoal médico, civil e voluntários da ONU. Os observadores estão localizados em nove bases operacionais – quatro a oeste e cinco a leste do muro de areia – e patrulham diariamente a área em busca de violações. O território está dividido em cinco zonas, incluindo uma zona tampão de cinco quilómetros de largura, sujeita a restrições militares de acordo com o “Acordo Militar nº 1” assinado com as partes em 1997-1998.
De Mistura reconheceu o consenso crescente em torno do plano de autonomia marroquino, lembrando, no entanto, que qualquer solução deve conciliar o direito à autodeterminação do povo saharaui com as aspirações de Marrocos. Os Estados Unidos, por seu lado, estão agora a pressionar para que essas recomendações se traduzam num compromisso vinculativo. A administração do presidente Donald Trump, que em 2020 reconheceu a soberania marroquina sobre o Sahara Ocidental, pretende encerrar uma disputa que já dura meio século até 2026. O conselheiro presidencial Massad Boulos reiterou que “a autonomia genuína sob a soberania marroquina é a única solução viável” e que a resolução visa “fomentar a reconciliação entre Marrocos e a Argélia, fortalecendo a estabilidade do Magrebe”.
Para Rabat, hoje tem o valor de uma prova histórica. Nas províncias meridionais de Laayoune e Dakhla, onde o governo investiu milhares de milhões de dólares em infra-estruturas e desenvolvimento industrial, a votação é esperada como uma consagração diplomática da soberania marroquina. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Nasser Bourita, definiu o plano de autonomia como “uma proposta de paz duradoura e pragmática”, enquanto a imprensa do Reino falava de uma “vitória da diplomacia realista”. A Argélia, membro não permanente do Conselho, mantém uma posição de firme oposição. O Presidente Abdelmadjid Tebboune reiterou que “a Argélia não abandonará a causa saharaui” e que “ninguém pode impor aos saharauis uma solução que eles não aceitam”.
Argel considera a proposta dos EUA uma tentativa de legitimar a “ocupação” do território e teme que a resolução reduza a Minurso a uma simples ferramenta técnica, abandonando a perspectiva de um referendo. A imprensa nacional argelina também reagiu duramente, denunciando a “pressão externa” e indicando a cooperação militar entre Rabat e Israel como uma “ameaça direta” à segurança da Argélia. A França apoia abertamente o plano de autonomia marroquino, que considera “a única base” para uma solução política. Paris também lidera uma missão económica de 200 empresas às regiões do sul de Marrocos, interpretada como um sinal de confiança nas perspectivas de estabilidade. O Reino Unido, após um longo equilíbrio, alinhou a sua posição com a de Washington e Paris, descrevendo o plano marroquino como “a proposta mais credível e pragmática”.
A Rússia, que preside a sessão do Conselho de Segurança e tem direito de veto, mantém uma posição prudente e orientada para o consenso. O Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, declarou que a questão do Sahara Ocidental “só pode ser considerada resolvida quando todas as partes envolvidas acreditarem que alcançaram um equilíbrio justo de interesses”. Entrevistado pelos meios de comunicação árabes, o chefe da diplomacia russa lembrou que Moscovo “aceita uma solução que satisfaça todas as partes”, no quadro das resoluções do Conselho de Segurança, sublinhando que a Rússia considera a questão “ainda em aberto”, ao contrário de Washington, que reconheceu a soberania marroquina durante a presidência de Donald Trump. No passado dia 16 de outubro, Lavrov encontrou-se com o ministro dos Negócios Estrangeiros marroquino, Nasser Bourita, em Moscovo para uma conversa centrada na cooperação bilateral e na evolução do dossiê. Os dois ministros reafirmaram a intenção de consolidar as relações estratégicas e manter um diálogo construtivo sobre o futuro do processo político sob a égide da ONU. Até a China, que manifestou abertura ao diálogo, reiterou a necessidade de uma solução equilibrada e partilhada, evitando abordagens “divisivas” que possam comprometer a estabilidade regional.
A nível regional, o clima continua tenso. Em 2025, a Argélia quase duplicou o seu orçamento de defesa, elevando-o para 25 mil milhões de dólares, enquanto Marrocos atribuiu mais de 12 mil milhões ao sector militar. Os confrontos no terreno continuam isolados, mas a ONU teme que a ausência de um horizonte político esteja a alimentar uma deriva militar. “Depois de cinquenta anos de conflito – escreveu Guterres no seu relatório – é necessário mais do que nunca um compromisso político decisivo para restaurar a perspectiva de desenvolvimento e estabilidade ao povo do Sahara Ocidental”.
A Itália também acompanha atentamente a evolução do dossiê. Roma, que este ano celebra dois séculos de relações diplomáticas com Rabat, reafirmou o seu apoio às decisões do Conselho de Segurança e aos esforços do enviado da ONU. Durante uma visita a Rabat e Laayoune, uma delegação interparlamentar liderada por Ettore Rosato definiu o plano de autonomia marroquino como “uma proposta de paz a longo prazo”, enquanto o embaixador Pasquale Salzano, numa lectio em Fès, sublinhou a “vocação mediterrânica partilhada” dos dois países e o papel da Itália como “ponte de cooperação e conhecimento”. No entanto, a posição italiana continua marcada pela prudência. Para além das tradicionais relações de amizade e colaboração com Marrocos, Roma mantém laços estratégicos e particularmente estreitos com a Argélia, hoje o principal fornecedor de gás de Itália e um parceiro energético de referência no Mediterrâneo. Esta dupla sensibilidade leva a diplomacia italiana a manter o equilíbrio entre as partes e a seguir rigorosamente a linha das Nações Unidas. Até agora, a Itália alinhou-se com as resoluções do Conselho de Segurança e com as orientações do secretário-geral. É provável que, se a ONU mudasse a sua posição oficial sobre o Sahara Ocidental, Roma agisse em conformidade, mantendo uma abordagem de continuidade e coordenação multilateral.
A votação de hoje no Conselho de Segurança das Nações Unidas poderá assinalar um ponto de viragem. Caso a resolução seja aprovada, a Minurso continuará as suas atividades até janeiro de 2026 com o objetivo de acompanhar um ciclo negocial “imediato e sem condições prévias”. No entanto, em caso de adiamento ou veto, o processo permaneceria bloqueado, prolongando um impasse que já dura meio século. Em Rabat há expectativa e optimismo; em Argel, desconfiança e cautela. Em Nova Iorque, a diplomacia prepara-se para uma votação que, qualquer que seja o resultado, ficará na história do Sahara Ocidental como a mais importante dos últimos cinquenta anos.