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Sahara Ocidental: a resolução da ONU abre uma nova fase, mas a sombra da ausência argelina permanece

O texto, que renova o mandato da Missão das Nações Unidas para o referendo no território até 31 de Janeiro de 2026, introduz pela primeira vez uma referência explícita à autonomia sob a soberania marroquina” como possível resultado do processo político, indicando-a como a opção que “poderia constituir a solução mais praticável”.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou, no final de intensas consultas entre as delegações dos membros permanentes, uma resolução que marca um ponto de viragem na longa disputa sobre o Sahara Ocidental. O texto, que renova o mandato da Missão das Nações Unidas para o referendo no território (Minurso) até 31 de Janeiro de 2026, introduz pela primeira vez uma referência explícita à autonomia sob a soberania marroquina” como possível resultado do processo político, indicando-a como a opção que “poderia constituir a solução mais praticável”. um passo à frente em comparação com as formulações anteriores.

A resolução, resultado da mediação liderada por Washington e apoiada por Paris e Londres, também reconhece explicitamente a proposta de autonomia marroquina de 2007 como base para futuras negociações (“tomando como base a proposta de autonomia de Marrocos”). Uma formulação que reforça a narrativa promovida por Rabat nos últimos anos: a de uma solução política baseada numa ampla autonomia, mas sempre inserida no quadro da soberania e integridade territorial do Reino.

O texto aprovado em Nova Iorque é o resultado de um complexo esforço de mediação entre os cinco membros permanentes e as delegações não permanentes, divididos entre aqueles que pressionaram por uma resolução “mais equilibrada” e aqueles que pediram para reconhecer claramente a proposta marroquina como a “única base” para a retoma do processo político. O resultado final é uma fórmula que oferece uma forma de compromisso: por um lado, reconhece a legitimidade e a concretude do plano de Rabat, por outro, deixa a porta aberta a novas interpretações do princípio da autodeterminação.

No léxico diplomático da ONU, essa expressão – “poderia constituir a solução mais praticável” – não é acidental. Evita o reconhecimento direto, mas eleva o plano de autonomia marroquino ao estatuto de opção principal, a ser avaliada num contexto de negociações multilaterais. E é precisamente aqui que se jogará o jogo mais complexo nos próximos meses: definir o que significa concretamente “autodeterminação” dentro de uma província autónoma, e o que se entende, em termos jurídicos e institucionais, por “autonomia sob soberania”.

Segundo a leitura que Rabat faz dele, o texto do Conselho de Segurança liga claramente o princípio da autodeterminação ao conceito de autonomia, reflectindo a mesma lógica contida na proposta de 2007. Nessa visão, a autodeterminação não coincide com um referendo sobre a independência, mas com a liberdade das populações locais de gerirem democraticamente os seus próprios assuntos – administrativos, económicos, culturais e sociais – no quadro da soberania nacional marroquina.

Num discurso proferido na mesma noite da adopção da resolução, o rei de Marrocos, Mohammed VI, manifestou “satisfação com a decisão do Conselho de Segurança”, afirmando que “as Nações Unidas adoptaram a iniciativa de autonomia para o Sahara considerando-a a solução óptima para o conflito”. O soberano agradeceu “ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pelos seus esforços na resolução do conflito relativo ao Sahara marroquino”, elogiando “todos os esforços em apoio à unidade territorial de Marrocos”.

No seu discurso, Mohammed VI convidou o presidente argelino, Abdelmadjid Tebboune, a “um diálogo sincero para construir novas relações”, sublinhando: “Entramos na fase decisiva do processo das Nações Unidas, pois a resolução do Conselho de Segurança estabelece os princípios e bases que podem levar a uma solução política definitiva para este conflito, no estrito respeito pelos direitos legítimos de Marrocos”. O soberano anunciou então que o Reino “procederá à actualização e formulação detalhada do plano de autonomia tendo em vista a sua posterior apresentação às Nações Unidas”, especificando que, sendo uma solução “realista e aplicável”, deve constituir a única base de negociação”.

“Depois de 50 anos de sacrifícios, abrimos um novo e vitorioso capítulo no processo de consagração da essência marroquina do Sahara, destinado a encerrar definitivamente o dossiê deste conflito artificial, através de uma solução consensual baseada na iniciativa de autonomia”, disse Mohammed VI, acrescentando que “vivemos uma fase crucial e um ponto de viragem decisivo na história do Marrocos moderno: a partir de agora haverá um antes e um depois de 31 de outubro de 2025”.

Em Rabat e nas principais cidades do sul, a população saudou a votação do Conselho de Segurança com manifestações jubilosas, desfiles de bandeiras e celebrações espontâneas nas praças de Laayoune e Dakhla. As autoridades locais organizaram eventos e concertos oficiais, enquanto os governadores das províncias do sul reiteraram o seu “total apoio ao soberano e à iniciativa de autonomia”.

Do lado oposto, Argel e a Frente Polisário consideram a nova resolução um retrocesso político e jurídico em relação às anteriores, uma vez que a referência à soberania marroquina tornaria sem sentido a perspectiva de um referendo totalmente livre e vinculativo. Numa entrevista ao jornal “Al 24 News”, o ministro dos Negócios Estrangeiros argelino, Ahmed Attaf, declarou que “o texto final da resolução reitera a necessidade de um processo político justo, duradouro e aceitável para todas as partes envolvidas”. O ministro explicou que oito países membros do Conselho de Segurança “apresentaram alterações substanciais ao texto original da resolução, consideradas injustas e desequilibradas a favor de apenas um dos lados”.

Segundo Attaf, esta iniciativa colectiva “permitiu restabelecer um certo equilíbrio no texto final, que não incorporou plenamente a posição marroquina, mas reafirmou a necessidade de um processo político justo, duradouro e aceitável para ambas as partes”. O ministro acrescentou que Marrocos “não conseguiu impor o seu plano de autonomia de 2007 como solução exclusiva para a questão saharaui”, uma vez que “o projecto adoptado fala de autonomia juntamente com outras alternativas”, reconhecendo implicitamente a permanência do direito do povo saharaui à autodeterminação como essencial.

Na mesma entrevista, Attaf reconheceu que “há realismo no caminho da nova resolução da ONU” e observou que “os Estados Unidos começaram a distinguir entre a sua posição nacional e a de mediador neste processo”. O ministro acrescentou: “O conselheiro do presidente Trump, Massad Boulos, afirmou numa entrevista televisiva que a autonomia já não é o único quadro para resolver a questão do Sahara, mas que alternativas são possíveis”. Em Nova Iorque, o embaixador argelino na ONU, Amar Bendjama, definiu o projecto de resolução como “inadequado às aspirações legítimas do povo saharaui”.

Contudo, a posição de Argel continua a ser decisiva. A questão do Sahara Ocidental, para a Argélia, não é apenas uma disputa de princípio sobre o direito à autodeterminação dos povos, mas uma questão geopolítica que afecta directamente os seus interesses estratégicos no Magrebe. Por trás da firmeza diplomática existe também uma lógica de segurança e de influência regional. O Sahara Ocidental representa, para Argel, uma cintura estratégica de profundidade que separa a sua fronteira ocidental do Atlântico. Olhando para o futuro, o controlo dessa área – ou pelo menos a garantia de que não se torne uma projecção exclusivamente marroquina – pode ter impacto no futuro acesso da Argélia ao Oceano, uma questão sensível mas raramente explicitada em documentos oficiais.

Neste quadro, a resolução recentemente adoptada surge como um compromisso pragmático que permite ao Conselho de Segurança manter o processo político sob a égide das Nações Unidas, evitando ao mesmo tempo uma divisão aberta entre os seus membros permanentes. Os Estados Unidos, promotores do texto, consideram o resultado um sucesso da diplomacia multilateral e um passo em frente no sentido de uma “solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável”. A França e o Reino Unido manifestaram apoio “total” à iniciativa, enquanto a Rússia e a China, mais cautelosas, votaram a favor após obterem a inclusão de fórmulas que lembram “o princípio da autodeterminação e a necessidade de consenso das partes”.

Segundo avaliações que circulam nos meios diplomáticos de Nova Iorque, coloca-se agora a hipótese do início de um novo ciclo de consultas sob a égide do enviado pessoal do secretário-geral, Staffan de Mistura, com o objectivo de definir os parâmetros da autonomia futura. Não se trata de um cronograma definido, mas de uma perspectiva ainda em discussão. Quase 50 anos depois da Marcha Verde, a decisão do Conselho de Segurança abre, portanto, uma nova fase: um passo em frente que teria sido mais sólido se fosse acompanhado por um consenso regional mais amplo. “É uma boa resolução – comentam fontes diplomáticas – mas o seu pleno sucesso dependerá da capacidade de reunir todas as partes, incluindo a Argélia, à mesma mesa”.

Beatriz Marques
Beatriz Marques
Como redatora apaixonada na Rádio Miróbriga, me esforço todos os dias para contar histórias que ressoem com a nossa comunidade. Com mais de 10 anos de experiência no jornalismo, já cobri uma ampla gama de assuntos, desde questões locais até investigações aprofundadas. Meu compromisso é sempre buscar a verdade e apresentar relatos autênticos que inspirem e informem nossos ouvintes.