O novo relatório de Comissão Europeia sobre habitação na União Europeia fotografa uma situação preocupante para Portugal, que se destaca pelas razões erradas. Da sobrevalorização dos preços à dificuldade de acesso à habitação, o país é hoje um dos mais vulneráveis do continente. De acordo com o relatório “Habitação na União Europeia: evolução do mercado, motivadores subjacentes e políticas”os preços exagerados das casas em Portugal resultam sobrevalorizado em 35%a percentagem mais elevada entre os países da União. É também o único Estado-Membro onde a sobrevalorização aumentou significativamente durante 2024, enquanto noutros locais a média se situa entre 10% e 20%.
Crescimento recorde: +200% em dez anos
Nos últimos dez anos, o preço nominal das casas em Portugal mais do que duplicou, de forma exagerada, ultrapassando a Crescimento de 200%um número que o coloca ao lado de países como a Hungria, a Lituânia e a República Checa.
Tendo em conta a inflação, o aumento médio dos preços da habitação nos países da UE entre 2014 e 2024 foi de 25%. Em Portugal, porém, o aumento ultrapassa os 50%, segundo a Comissão Europeia. Também Eurostat confirma a tendência: entre 2010 e 2025 os preços das casas aumentaram 141%.
Tendo em conta estes números, o fosso em relação ao poder de compra das famílias é crescente: o relação entre preços de casas e renda aumentou 20% numa década, enquanto a capacidade de endividamento caiu. Hoje, em pelo menos 85% das hipotecas, o rácio dívida/rendimento ultrapassa os 50%, um limite que pressiona a maioria das famílias portuguesas.
Turismo e arrendamento de curta duração: o mercado imobiliário sob pressão
Lá Comissão Europeia identifica o turismo como uma das principais causas da bolha imobiliária portuguesa. “Portugal é o país da UE onde o turismo teve o maior impacto nos preços das casas”, lê-se no relatório.
A expansão de plataformas de compartilhamento doméstico como a Airbnb mudou profundamente o mercado, levando muitos proprietários a transformarem arrendamentos de longa duração em alojamentos de curta duração (AL), mais rentáveis mas menos acessíveis. O resultado é um mercado cada vez mais polarizado, especialmente nos centros históricos de Lisboa E Portaonde os aluguéis atingiram valores recordes.
Em 2023, o aluguel médio de um apartamento de dois quartos em área nobre da capital bateu 1.850 euros por mêsequivalente a mais de 80% da renda familiar média. Na Europa, apenas Budapeste apresenta uma relação semelhante. Para comparação, um Roma uma renda equivalente ronda os 1.200 euros, menos de 40% com base no rendimento médio italiano.
Preços exagerados das casas em Portugal: caem investimentos, crescem desigualdades
Além do turismo, a Comissão relata um desinvestimento estrutural no parque habitacional. Nos últimos doze anos, Portugal reduziu quase para metade a percentagem de despesa pública atribuída à construção: em 2022, o governo investiu pouco mais de 0,02% do PIB no setor, em comparação com 0,04% em 2010.
A parcela de habitação social está entre os mais baixos da Europa, equivalente a 1,1% do mercado imobiliário. No mesmo período, o número de novos edifícios permaneceu muito pequeno: em 2024 foram construídos 1,32 casas por mil habitantesenquanto nos primeiros seis meses de 2025 o valor parou em 0,75.
A escassez de oferta, combinada com o aumento dos custos de construção e a escassez de mão-de-obra, abrandou ainda mais a criação de novas habitações. A crescente atenção voltada para renovações energéticas também desviou parte dos investimentos do parque imobiliário novo para o antigo, sem contudo resolver o problema da acessibilidade.
Casas vazias e um mercado distorcido: um paradoxo inteiramente português
Paradoxalmente, enquanto os preços sobem, muitas casas permanecem vazio. Em média, uma em cada seis casas na UE está desocupada. Em Portugal 10% dos lares da área metropolitana de Lisboa E Porta não é usado. O paradoxo é que estas casas não estão no mercado. Os proprietários não os rentabilizam: não estão à venda nem à procura de inquilinos. Apesar do potencial económico, eles estão lá, vazios.
O censo de 2021 contou 723.215 casas vaziasmas apenas 236.927 estão realmente disponíveis para venda ou aluguel. O restante divide-se entre imóveis abandonados, legados não geridos ou imóveis destinados ao mercado turístico.
Este desequilíbrio contribui para manter os preços elevados e tornar cada vez mais difícil aos cidadãos, e mesmo aos expatriados, encontrar soluções de habitação sustentáveis.
Um desafio europeu, mas uma urgência portuguesa
A crise do mercado imobiliário em Portugal reflecte tendências globais, mas aqui assume contornos mais dramáticos devido à combinação de turismo de massa, crescimento especulativo e políticas públicas fracas. O risco, alerta Bruxelas, é duplo: por um lado, a exclusão das famílias dos centros urbanos e a progressiva gentrificação dos bairros históricos; por outro, uma economia imobiliária cada vez mais vulnerável a choques externos.
Para Portugal, que nos últimos anos construiu grande parte da sua atractividade no acolhimento de turistas e residentes estrangeiros, o desafio é claro: encontrar a correspondência entre a internacionalização dos habitantes com o direito de viver dos nativos portugueses. Um equilíbrio que, tendo em conta a média exagerada dos preços das casas em Portugal, neste momento ainda parece distante.
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