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Mali: resgate recorde pela libertação de um ex-general dos Emirados, o Jnim muda sua estratégia em sequestros

A informação foi revelada pelo jornalista de investigação Wassim Nasr, colaborador da “France 24” especialista em jihadismo, que reconstruiu a história da tomada de alguns reféns internacionais pelo grupo afiliado à Al Qaeda

O Grupo de Apoio ao Islão e aos Muçulmanos (Jnim), que mantém o Mali sob controlo desde o início de Setembro com o bloqueio do fornecimento de combustível, recolheu um resgate recorde de 50 milhões de dólares pela libertação de três reféns, incluindo um antigo general dos Emirados e membro da família real do Dubai. O jornalista investigativo revelou isso Wassim Nasrcolaborador do “France 24”, especialista em jihadismo, que reconstruiu a história da tomada de alguns reféns internacionais pelo grupo afiliado à Al Qaeda. Segundo as suas fontes, o JNIM recebeu até 50 milhões de dólares em dinheiro e 20 milhões de dólares em munições pela libertação de Joumaa bin Maktoum al Maktoum, um general reformado dos Emirados envolvido no comércio de ouro e membro da família real do Dubai, e de outras duas pessoas residentes nos Emirados, o primeiro cidadão paquistanês, o outro um funcionário iraniano. O Jnim assumiu também a responsabilidade pelo rapto de dois reféns egípcios suspeitos de colaborar com a junta no poder em Bamako, para cuja libertação exigiu um resgate de 5 milhões de dólares, ao mesmo tempo que negou o rapto de um piloto norte-americano.

Segundo Nasr, a presença do ex-general ligado à família real dos Emirados teria permitido aos milicianos aumentar o preço do resgate para níveis sem precedentes. Até agora, explicou o especialista à “France 24”, o valor dos resgates aos reféns internacionais rondava os seis e os dez milhões de dólares. Em 2020, escreve o mesmo jornalista, foram pagos seis milhões de euros para libertar Pier Luigi Maccalli e Nicola Chiacchio, os dois italianos raptados no Níger e libertados no Mali ao mesmo tempo que a francesa Sophie Petronin, raptada em 2016. Segundo Nasr, que há algum tempo acompanha a dinâmica dos resgates no Sahel, a escolha dos reféns indica também uma mudança na estratégia de pressão que o Jnim realiza em detrimento das autoridades centrais. O grupo, que anteriormente tinha como alvo cidadãos ocidentais, agora tem como alvo países que considera apoiantes das juntas militares que tomaram o poder no Mali, no Níger e no Burkina Faso num golpe de Estado, agora unidos na Aliança dos Estados do Sahel (AES). Até o momento, nas mãos do Jnim “há onze cidadãos chineses, indianos, dois ucranianos de Donbass com passaportes russos que trabalharam para Wagner, um iraniano e dois egípcios”, especificou Nasr.

Em qualquer caso, o resgate milionário chega num momento crucial para a expansão do Jnim, que com o bloqueio dos combustíveis está paralisando a economia maliana. O grupo jihadista diz querer provocar a queda das autoridades que assumiram o controlo do país com os dois golpes de 2020 e 2021, para estabelecer um governo islâmico no Mali. Desde o início de Setembro, o Grupo de Apoio ao Islão e aos Muçulmanos (Jnim) bloqueou o fluxo de camiões-tanque de combustível para Kayes e Nioro, duas cidades na fronteira com o Senegal, incendiando centenas de comboios vindos de Dakar e de Abidjan da Costa do Marfim. Uma medida implementada em resposta à decisão da junta militar de cortar o fornecimento às zonas mais remotas do país, onde os próprios jihadistas encontram refúgio. O bloqueio foi inicialmente imposto ao longo da faixa que vai do Mali, ao longo da fronteira com a Mauritânia e o Senegal, até Sikasso, uma cidade no sul do país, perto da fronteira com a Guiné e a Costa do Marfim, para prejudicar as empresas malianas que se acredita estarem em conluio com as Forças Armadas do Mali (Fama) do General Assimi Goita, líder da junta militar. Em Bamako, muitos postos de gasolina fecharam e formaram-se filas intermináveis ​​para reabastecer nos ainda operacionais, obrigando a uma redução da circulação dos transportes públicos em até 70 por cento e o Ministério da Educação a anunciar o encerramento das escolas. Os preços dos combustíveis subiram, primeiro nos bairros suburbanos, depois na cidade, e vários ataques tiveram como alvo locais industriais e mineiros, especialmente na região de Kayes, atingindo a região que representa 80 por cento da produção de ouro do Mali. No contexto da rápida deterioração da segurança, na semana passada os representantes diplomáticos dos principais países ocidentais – dos EUA à Alemanha e à Itália – instaram os seus compatriotas a abandonarem o Mali.

O risco agora é que a crise no Mali se espalhe aos vizinhos Níger e Burkina Faso. De acordo com relatórios do centro de investigação e monitorização do jihadismo Menastream, os líderes do Jnim estão de facto a convidar – através dos meios de comunicação social afiliados – os seus apoiantes no Níger e no Burkina Faso a juntarem-se à jihad, enquanto no vizinho Mali a acção islâmica contra a junta no poder em Bamako está a fortalecer-se. Em particular, destaca-se um apelo dirigido pelo comandante do Jnim, Cheikh al Bani, aos líderes muçulmanos no Níger e de dois representantes do grupo das comunidades étnicas Gourmantché e Kurumba, que com mensagens nas respetivas línguas instaram os combatentes das regiões leste e norte do Burkina Faso a juntarem-se às milícias. A insurgência jihadista no Mali é uma crise complexa e prolongada que começou em 2012, quando um grupo de rebeldes tuaregues unidos no Movimento Nacional para a Libertação de Azawad (Mnla) se levantou contra o governo central exigindo a independência de Azawad, a região desértica do norte. Logo, porém, a insurreição foi liderada por grupos jihadistas afiliados à Al Qaeda, que conseguiram ocupar as principais cidades do norte: Tombuctu, Gao e Kidal. Após os acordos de paz de Argel, assinados em 2015 pelo governo e pelos grupos rebeldes tuaregues, a crise assumiu uma dimensão predominantemente étnica e comunitária, o que acabou por alimentar um ciclo de vingança, massacres e deslocações em massa.

Beatriz Marques
Beatriz Marques
Como redatora apaixonada na Rádio Miróbriga, me esforço todos os dias para contar histórias que ressoem com a nossa comunidade. Com mais de 10 anos de experiência no jornalismo, já cobri uma ampla gama de assuntos, desde questões locais até investigações aprofundadas. Meu compromisso é sempre buscar a verdade e apresentar relatos autênticos que inspirem e informem nossos ouvintes.