Segundo relatos, o acordo faz parte dos esforços para unificar as instituições militares líbias, ainda hoje divididas entre o leste e o oeste do país
O Chefe do Estado-Maior do Exército Nacional da Líbia (NLA), General Khaled Haftar, realizou uma reunião em Sirte com vários comandantes de brigada de Misrata, durante a qual foi alcançado um acordo para a formação de uma força militar conjunta. A representação do Estado-Maior do ENL deu-o a conhecer num comunicado divulgado na sua página do Facebook. Segundo relatos, o acordo faz parte dos esforços para unificar as instituições militares líbias, ainda divididas entre o leste e o oeste do país. Haftar sublinhou a necessidade de iniciar “passos práticos e tangíveis” para a unificação das forças armadas, chamando-a de “uma base essencial para o futuro e a estabilidade da nação”. O encontro decorreu em Sirte, cidade estratégica situada no centro da Líbia e considerada um ponto simbólico e geográfico de ligação entre as regiões orientais controladas pelo ENL e as ocidentais sob influência do Governo de Unidade Nacional (GUN) liderado por Abdulhamid Dabaiba. Sirte, que também acolhe o aeroporto internacional recentemente inaugurado, é frequentemente escolhida como local neutro para conversações militares e de segurança entre as duas áreas do país. A participação dos comandantes de Misrata confere particular importância política e militar à iniciativa. A cidade portuária da Tripolitânia, reduto de brigadas bem equipadas e considerada uma das mais poderosas da Líbia, desempenhou um papel decisivo tanto na queda do regime de Muamar Gaddafi em 2011 e na defesa de Trípoli durante o conflito de 2019-2020 contra as forças de Khalifa Haftar. Hoje, as milícias de Misrata representam um pilar de segurança no oeste do país e um factor decisivo para a estabilidade do governo de transição de unidade nacional, liderado pelo Primeiro-Ministro Dabaiba, originário da própria Misrata. O seu envolvimento num processo de cooperação com o Leste poderia indicar uma aproximação cautelosa entre as duas partes militares líbias, esperada em particular pelos Estados Unidos.
Não é por acaso que a cidade de Sirte se prepara para acolher o grande exercício militar “Flintlock” em 2026, organizado pelo Comando Africano dos EUA (Africom) com a participação de forças especiais de vários países da região, incluindo Itália. De acordo com o anunciado pela Embaixada dos Estados Unidos na Líbia, o objetivo da iniciativa é promover a coordenação entre as forças militares do leste e do oeste da Líbia, fortalecendo a cooperação no domínio da segurança e da luta contra o terrorismo. Washington agradeceu particularmente às forças de segurança líbias de ambas as regiões pelo apoio logístico que prestam à operação, que visa promover a estabilidade e a interoperabilidade tendo em vista uma possível unificação militar nacional. Vale lembrar que a Líbia continua dividida entre dois governos rivais: por um lado, o de Trípoli, liderado pelo primeiro-ministro Dabaiba e reconhecido pelas Nações Unidas; do outro, o executivo paralelo de Benghazi, apoiado pela Câmara dos Representantes e ligado às forças do marechal Khalifa Haftar, cujo Exército Nacional Líbio foi recentemente reforçado com armas de fabricação russa e chinesa, graças ao apoio logístico dos Emirados Árabes Unidos. O líder da Cirenaica, de 81 anos, também nomeou recentemente os seus filhos Saddam e Khaled, respetivamente vice-comandante do Comando Geral e chefe do Estado-Maior do ENL, formalizando uma sucessão familiar já consolidada de facto.
As Nações Unidas, através do Representante Especial Hanna Tetteh, lançaram um roteiro no verão para realizar eleições nacionais dentro de 12-18 meses, com base em três pilares: definição de um quadro eleitoral partilhado, unificação de instituições e diálogo participativo a nível nacional. Por sua vez, o primeiro-ministro do governo designado pelo Parlamento de Tobruk enviou uma queixa formal ao secretário-geral da ONU, António Guterres, acusando o representante especial e a missão da UNSMIL de “graves violações da soberania nacional” e de “interferência nos assuntos internos do país”. Entretanto, Khalifa Haftar, durante um encontro com um grupo de líderes, anciãos e notáveis das tribos da região central, que teve lugar na nova cidade militar de Benghazi, declarou que a solução para a crise da Líbia deve partir do povo, com o apoio das tribos, “sem esperar por iniciativas externas”. Estiveram presentes na reunião o primeiro-ministro do governo nomeado pela Câmara dos Representantes, Osama Hamad, e o próprio Khaled Haftar, segundo nota do Comando Geral do ENL. Os representantes tribais expressaram apoio às forças armadas e reiteraram o seu desejo de “preservar a unidade do país e reunir os líbios sob uma única bandeira nacional”. Por sua vez, Haftar reiterou que a liderança militar continuará a ser um “baluarte de segurança” para a Líbia, garantindo que “qualquer acordo que una os líbios encontrará a sua garantia de implementação no ENL”. A reunião decorreu no momento em que a missão das Nações Unidas na Líbia (UNSMIL) se prepara para anunciar os participantes no novo diálogo político estruturado, que abordará questões centrais como a governação, a segurança, a economia e a reconciliação nacional.
O Serviço Antiterrorismo nega participação na reunião de Sirte com Khaled Haftar
O Serviço Líbio de Combate ao Terrorismo e Organizações Extremistas negou categoricamente os rumores de uma suposta participação na reunião entre Khaled Haftar e alguns comandantes de brigada de Misrata. Num comunicado hoje divulgado, o Serviço falou em “notícias completamente infundadas”, sublinhando que qualquer comportamento individual “não tem qualquer ligação com a instituição”. O órgão apelou ainda aos cidadãos e aos meios de comunicação social para “não se deixarem levar por rumores infundados ou campanhas que visam minar a confiança nas instituições de segurança”. Por fim, o Serviço Antiterrorismo reafirmou que continuará a operar “com o máximo profissionalismo para a protecção da nação e dos cidadãos”, reiterando o seu compromisso em combater “qualquer pessoa que tente semear divisão ou comprometer a imagem das forças de segurança”.