Cientistas descobriram que o tártaro antigo pode esconder mais histórias do que aquela visita constrangedora ao dentista: ao analisar placas dentárias fossilizadas de neandertais, eles revelaram detalhes fascinantes sobre dieta, doenças e até mesmo as surpreendentes estratégias de “medicina” desses nossos primos pré-históricos – incluindo, pasme, o uso de uma espécie de aspirina natural milhares de anos antes da Bayer sonhar em existir!
O que o tártaro revela sobre neandertais?
Aquela crosta resistente, geralmente vista com maus olhos por nós modernos, é na verdade uma mina preciosa para microbiologistas interessados na evolução humana. A placa dentária endurecida dos neandertais, cuidadosamente coletada em fósseis encontrados na Bélgica e na Espanha, guardou ao longo do tempo material genético de tudo o que ingeriram: plantas, animais e até micro-organismos.
Graças à análise detalhada publicada na revista Nature em março de 2017, foi possível extrair DNA e identificar não apenas o cardápio desses indivíduos, mas também pistas de suas doenças, tratamentos e o ambiente microbiológico em que viviam. Para quem pensou que só o que sobraria da humanidade seriam memes digitais, eis algo para se orgulhar: nosso tártaro pode durar milhares de anos, transmitindo histórias bem mais interessantes!
Dietas distintas e os remédios da natureza
A diferença entre dentes belgas e espanhóis vai muito além da localização geográfica. Os neandertais da Bélgica tinham, comprovadamente, uma dieta baseada principalmente em carne, evidenciada pelo DNA de rinoceronte-lanoso e ovinos no tártaro. Já os espanhóis preferiam um menu vegetariano, com musgos, pinhões e cogumelos.
O mais fascinante foi constatar que as placas continham em perfeito estado os microbiomas desses indivíduos – ou seja, comunidades de bactérias e fungos que moravam dentro da boca e do corpo. Segundo Laura Weyrich, microbiologista da Universidade de Adelaide e autora principal do estudo, esses micróbios mostram tanto o que eles comiam quanto as doenças enfrentadas e até os medicamentos naturais empregados para curá-las.
Por exemplo, o neandertal de El Sidrón, na Espanha, sofria com um abcesso dentário, causado provavelmente por uma variante da bactéria Methanobrevibacter oralis. E adivinhe? Foram encontrados resíduos de álamo (populus) em meio à placa, fornecendo ácido salicílico – o precursor natural da aspirina. Ou seja, nosso ancestral já buscava alívio para a dor na farmácia da floresta muito antes da invenção das caixinhas de comprimido!
- Esse mesmo indivíduo sofria de diarreia e vômitos, provavelmente por outro agente chamado Enterocytozoon bieneusi, e pode ter ingerido mofo Penicillium rubens – um tipo de fungo com propriedades antibióticas – na tentativa de combater a infecção.
O valor científico e curiosidades microbianas
Por décadas, cientistas sonhavam em coletar evidências da vida pré-histórica justamente do tártaro (mesmo que muitos tenham passado anos removendo esse “incômodo” para suas análises). Só com os recentes avanços em microscopia e sequenciamento genético foi possível explorar, no detalhe, esse microcosmos do passado. E, claro, perceber que microbiomas de neandertais podem ser bem diferentes dos das pessoas modernas.
A equipe notou que a variedade microbiológica dos neandertais carnívoros era distinta da dos colegas vegetarianos – diferente também da mescla microbiana dos nossos corpos atuais. A chave para entender isso parece estar nas pequenas mudanças alimentares sofridas por cada grupo. Segundo Weyrich, estudar populações do passado – que comiam basicamente o que havia disponível ao redor, sem aplicativos de entrega – ajuda a identificar o impacto dessas dietas no microbioma.
Keith Dobney, arqueólogo da Universidade de Aberdeen, está animado com as perspectivas: entender esses biomas pode iluminar como doenças como obesidade e diabetes apareceram após a invenção da agricultura e a mudança dos padrões migratórios humanos. Como diz Dobney, “não vivemos sem nosso microbioma”; compreender sua evolução é entender parte fundamental da nossa própria história de saúde.
Um beijo do passado e novas perguntas
O DNA da bactéria Methanobrevibacter sequenciado por Weyrich e sua equipe tem cerca de 48 mil anos – é o mais antigo já obtido. Descobriu-se que essa cepa surgiu há cerca de 125 mil anos, quando Homo sapiens e neandertais possivelmente se cruzaram. Hoje, ela é transmitida via saliva. Surge então o questionamento: será que humanos e neandertais compartilhavam beijos apaixonados ou, ao menos, a comida (literalmente)?
Segundo Weyrich, esses achados mostram que a intimidade no passado era menos “brutal” do que normalmente imaginamos e mais cheia de trocas bacterianas bucais.
Para finalizar, pesquisadores estão ansiosos em aplicar essas técnicas a outros fósseis humanos, como o da famosa “Dama Vermelha de El Mirón”, esperando desvendar ainda mais segredos sobre nossa relação com a microbiologia e a saúde.
Em tempos de fast food e selfies sorridentes, vale lembrar: seus dentes podem guardar histórias para a posteridade. Falta só alguém decifrá-las daqui a alguns milênios!